Sabe aquelas pessoas horríveis que, por preguiça, mandam áudios intermináveis no whatsapp? Que só faltam gravar enquanto fazem xixi? E pior ainda, que visualizam a sua mensagem de texto bem redigida, sem erros de português, escrita com o maior carinho, e respondem com um áudio cheio de ééés e ãaans? Essa pessoa sou eu. Eu faço muita coisa por preguiça. Ou loucura. Preguiça e loucura podem se parecer bastante às vezes. Lembrei de uma piada velha daquelas que funcionam melhor em inglês: My dr. asked if any of our family members suffered from insanity. I told him ‘no, we all seem to enjoy it’.  Funciona melhor em inglês porque traduzir suffered aqui é meio tricky. A gente devia aproveitar essa onda de definir um novo normal de mundo e definir também um novo normal psiquiátrico. Não sei vocês, mas eu não me encaixo em praticamente nenhuma definição de normalidade. Aos quase 50, já não dou mais a mínima, mas – musiquinha brega ao fundo – quero melhorar o mundo para as próximas gerações. Saúde psicológica é mais importante ainda em tempos de clausura. E acho que aceitarmos que somos todos loucos é uma melhora e tanto. Que ninguém está são. Que ninguém vai ficar são. Que a quantidade de informação com que lidamos diariamente não é saudável e que ócio criativo my fucking ass. Referenciais muito particulares, estou ciente. E as questões sérias, você pergunta. A fome, a injustiça social, a miséria, a guerra, a covid, o golpe de estado, a hegemonia do powerpoint, os problemas que realmente importam. Um pobrêma de cada vez. Dou o passo do tamanho da minha perna. Sou baixinha. Mentira. Cá estou eu, estreando na revista Pessoa, casa onde eu sempre quis morar. Essa brincadeira de pobrêma ainda vai me causar problema. Esse mês tem dia dos namorados, ô inferno. Acho que não aguento mais nenhuma reunião por videoconferência. Mais uma piadinha para quebrar o gelo e eu perco o meu réu primário. Por falar em perder, preciso perder sei lá uma arroba e estou aqui pensando em pretzel. Não aquela porcaria cheia de açúcar e canela que brasileiro chama de pretzel. Aquela porcaria dura e cheia de sal que alemão chama de pretzel. O que eu não faria agora pelo laugenbrezel quase quente com a cerveja quase gelada que vende na Wiener Feinbäckerei do terminal 1 do aeroporto de Frankfurt. É uma saudade bem específica, eu sei. Os planos pós-covid do meu filho envolvem churrasco, cerveja e cinema. Eduquei bem esse menino. Os meus envolvem depilação e sexo, assuntos frequentemente relacionados. O sonho, alegria me dá. Tenho quem bem me quer e desisti das buscas inúteis faz tempo. Por causa da quarentena comprei um aparelho de televisão, objeto que não tinha desde antes de deus nosso senhor criar o Netflix. Vi Good Omens e Lucifer. Talvez exista um padrão aí. Faço o download do molde de um vestido que nunca vou fazer, só porque posso, só para alimentar a fantasia de que sou melhor costureira do que de fato sou. Li em algum lugar que foi só na Era Mesozóica que surgiram as flores. Informação relevante, você encontra por aqui. Começa aula remota de filho. Alguma coisa sobre Durkheim. O mix de informações aleatórias é, simultaneamente, entorpecente e relaxante. Passa alguém na rua cantando Gangnam style acapella. Estamos todos irremediavelmente loucos. Escrevo como um vômito. Molly Bloom é minha pastora e nada me faltará. Abro uma tangerina-mexerica-bergamota e o cheiro inunda a casa. Sven Zetterberg toca na caixinha e, por um breve instante, o mundo faz até algum sentido.

 

Crônica publicada na Revista Pessoa em 01 de junho de 2020.

Revista Pessoa
ISSN 21791929
Lisboa