Não consigo mais pensar. Não, engraçadinho, não é uma consequência natural da minha burrice ancestral. Não consigo mais pensar porque estou tão gripada que os neurônios não conseguem mais se comunicar uns com os outros. Aparentemente, a sinapse não se propaga no muco.

Muitos anos atrás eu tive uma crise aguda da sinusite crônica. A sinusite infiltrou os ossos do maxilar ao ponto de que eu perdi um dente, assassinado na raiz, por cima, a partir do osso. É uma dor que não só não consigo descrever como não desejo para ninguém. Nem para o meu pior inimigo. Nem mesmo para os naz… Mentira. Para os neobostas de Charlottesville eu desejo sim. Desejo isso e mais um pouco, aliás.

Saindo da escatologia da Virgínia e voltando à da minha caixa craniana, não consigo mais pensar. Não consigo me mexer, respirar, dormir, pensar, falar (a garganta também faz parte desse motim), sorrir, existir. Meu nariz é torto, grande e feio, mas mesmo assim eu gosto dele (quando funciona, é claro).

A única coisa boa da vida hoje foi que ganhei, do meu pai, um livro edição de luxo com a obra completa do Egon Schiele. Schiele é uma paixão que compartilhei com a minha mãe. E agora com meu pai. E, como isso aqui não é e nem nunca foi uma democracia, em breve com o meu filho. Algumas coisas nessa família não são aceitas: não ler, não conhecer alguma coisa de arte, ser preconceituoso e não gostar do Schiele.

Soube de uma psiquiatra (psicanalista? psicóloga? alguma coisa assim) que abriu uma aula dizendo que quem, hoje, fosse de direita por favor a procurasse após a aula que ela encaminharia para um tratamento, pois seria um claro caso de demência. Não tenho certeza se as palavras foram essas, mas era mais ou menos isso. Aproprio-me dessas sábias palavras e digo: quem não gosta de Egon Schiele pode procurar apoio médico.

Então essa sou eu, com tanto anti-histamínico na cabeça que nem mesmo o livro do Schiele eu consigo ler hoje. Ou seja, transformei-me em um legume. Transformei-me em um ser inoperante. Se meus neurônios continuarem sendo consumidos assim, vou acabar gostando do Romero Britto.

Publicado no portal Vida Breve em 21 de agosto de 2017 (editado).