Como dentro de mim não há paz, busco essa sensação no mundo.

Ó coitada, você deve estar pensando.

A subespécie Homo sapiens sapiens pertence ao reino animalia, do filo chordata e subfilo vertebrata. É da classe mammalia, de ordem primata e subordem antropoidea. Sua superfamília é a hominoidea e a família hominidea, sendo do gênero homo.

Nós somos, basicamente, macacos com neuroses.

Muita gente não faz jus a toda essa linha evolutiva, aqui representada na taxionomia.

Taxionomia é uma coisa engraçada, a biológica ou qualquer outra. Precisamos dela para sabermos onde estamos e quem somos e, portanto, serve para absolutamente tudo. E, ao mesmo tempo, não muda em nada a nossa condição e, portanto, não serve para absolutamente nada.

Eu, como tenho TOC e faço revisão ABNT, acho a taxionomia uma coisa linda. Divide o mundo em categorias claras, em pastinhas, de preferência em ordem alfabética. Há uma certa paz na taxionomia. Há beleza na organização. Estou convencida de que o mundo está esse caos por falta de bibliotecários.

Não se engane, entretanto, a única ordem de que eu gosto é a alfabética. Organização e ordem são primas mas não são a mesma pessoa.

Em momentos mais complicados da vida, dormi com um metrônomo batendo toc toc toc em intervalos regulares. Noites e noites adentro, deitada olhando para as luzes dos faróis refletidas no teto do meu quarto, ouvindo. Toc toc toc toc conduzindo o ritmo à respiração, relembrando o coração de sua função, fazendo o cérebro se concentrar até o foco voltar.

Toc toc toc toc.

Baixei um app de metrônomo no celular. Dá para toc toc toc no headphone, sem ninguém te olhar estranho na rua. Quer dizer, quando voltar a existir uma rua.

O único ser vivo que está bem nessa quarentena é o meu nirá. Até a cebolinha está um pouco murcha. O coentro, coitado, de tanto consumo anda à míngua. Do tomatinho, desisti. Ou ele desistiu de mim, jamais saberemos.

Rego meus vasinhos e fico olhando para a rua. Tenho a sensação de que me preparei a vida inteira para a quarentena. Gosto de trabalhar em casa, tenho meu espaço, acho ótimo esse negócio de distanciamento social e minha internet é ótima. No entanto, rego meus vasinhos e fico olhando para rua. A sensação do sol na minha pele, um resquício de vento, o barulho dos carros, o vizinho e seus cachorros estranhos, o outro vizinho e seu filho estranho, a vizinha estranha, o entregador. Fecho os olhos e aproveito o sol.

A sensação de que isso nunca vai acabar. De que seremos todos reféns. Coloco minhas esperanças em Carlos Chagas, em Osvaldo Cruz. Esse país já foi digno, um dia.

Hoje tenho um relógio de cozinha, mecânico, na parede do meu quarto. O metrônomo é mais charmoso, mas um relógio é mais fácil de explicar.

Tec tec tec tec.

Amanhã será outro dia. A enorme euforia.

Crônica publicada na Revista Pessoa, em 02 de julho de 2020.

Revista Pessoa
ISSN 21791929
Lisboa