Nós percebemos o mundo à nossa volta de uma forma predominantemente visual: 80% de toda informação que processamos, considerando uma pessoa sem dificuldades sensoriais, é recebida através da visão.

O sentido da visão, naturalmente, inclui a linguagem textual, não apenas a imagética. Entretanto, a imagem consegue atingir um público maior. Além da questão do letramento (alfabetização), precisamos lembrar que o texto é um símbolo, um signo arbitrário e genérico e dependente do idioma. Não há nada na palavra “casa” que se pareça com uma casa ou muito menos que se pareça com a casa que veio à sua mente.

O ícone possui semelhança com o objeto representado; o índice possui um vínculo (onde há fumaça, há fogo) e o símbolo é arbitrário (não possui nem semelhança, nem vínculo, nós entendemos apenas porque fomos ensinados dessa maneira).

A palavra, por mais específica que seja, não representa o mundo à nossa volta de maneira individual. Ao falarmos “árvore”, ou mesmo “palmeira”, não teremos as informações individuais a que se refere.

Precisamos adicionar outras palavras para nos aproximarmos da especificidade. Por exemplo: a terceira palmeira, da esquerda para a direita, na praia de Praia de Boiçucanga em São Sebastião, São Paulo. Uma fotografia traz essa e outras informações de maneira muito mais rápida, ágil e eficaz.

Boiçucanga. Fonte: https://www.guiacidade360graus.com.br/anuncio/praia-de-boicucanga/

Somos alfabetizados em linguagem textual, mas nunca abandonamos a visual

O velho ditado “uma imagem vale por mil palavras” demonstra o quanto sabemos disso intuitivamente.

Há um consenso sobre a importância do estudo da linguagem textual. Somos alfabetizados e passamos, no mínimo, a década seguinte estudando como o código escrito funciona. Estudamos sintaxe, gramática, redação, compreensão de texto; aprendemos a ler e escrever; treinamos redação e revisão.

A linguagem visual que, por natureza, atinge a um grupo maior de pessoas, simplesmente não é estudada na maior parte das formações existentes. No entanto, assim como qualquer linguagem, também possui sintaxe, gramática, revisão, análise, crítica etc.

Nos dois vídeos a seguir o que alguns dos grandes nomes do cinema já disseram a respeito:

 

 

Sobre a importância da alfabetização visual

Estamos falando, de uma certa forma, de uma “alfabetização visual” anterior à elaboração da comunicação que utilize imagens. É necessário saber ler antes de escrever. A mesma lógica se aplica ao visual.

Esse é um assunto de importância para qualquer carreira, inclusive as que são consideradas menos artísticas. A representação visual da informação é fundamental para a compreensão de conceitos, ideias e para conseguirmos compreender e visualizar aquilo que não podemos observar na natureza ou sem o auxílio de equipamentos (ex: um planeta distante, uma fórmula matemática, um vírus ou uma célula).

Representação visual do Covid-19. Fonte: Opas

Além de fotografias, ilustrações, diagramas, pictogramas e todo um vasto leque de imagens, utilizamos infográficos para compreender dados complexos ou extensos. Estamos tão acostumados a infográficos que muitas vezes nem nos damos conta de que são uma representação visual da informação.

Exemplo de infográfico (cores). Fonte: https://decidingfactor.us/color-wheel-big-deal/

O que é e o que não é um infográfico

Existe representação de informação desde a arte rupestre, mas consideramos infográficos como sendo a relação entre dados e imagem em uma única apresentação, de forma relacional e proporcional.

Por esse motivo, apesar de toda a admiração a seu trabalho, não entendo as detalhadas ilustrações de Leonardo da Vinci como infográficos, já que os dados não são mostrados em relação a outros e essa é realmente uma questão relevante. Esses trabalhos são ilustrativos, detalhados e admiráveis, mas não são infográficos.

Leonardo da Vinci – Estudos de Embriões (1510-1513)

Ao considerarmos como infográficos apenas aqueles demonstram dados de maneira visual, proporcional e gráfica, o primeiro nome é Christoph Scheiner (1573-1650), que publicou, em 1626, Rosa Ursina sive Sol, um conjunto de diagramas sobre sua pesquisa a respeito do Sol.

Christoph Scheiner – Rosa Ursina sive Sol, 1626.

Seu contemporâneo, Galileu Galilei, apesar de criar ricos desenhos de suas pesquisas, não relacionava os dados diretamente na imagem.

Galileo Galilei – desenhos da Lua, 1609

Pouco depois, temos Edmund Halley (1656-1742). Halley foi um astrônomo e matemático britânico, colaborador e amigo de Isaac Newton. Halley é o criador de um mapa mundi mostrando a distribuição de ventos sobre os oceanos, em 1686. Esse mapa é considerado o primeiro mapa meteorológico publicado. Logo em seguida, em 1693, ele publicou um infográfico relacionando idade da população e a mortalidade em Breslávia, na Polônia. É em homenagem a ele que o Cometa Halley tem esse nome.

Edmond Halley – map of the trade winds, 1686

O próximo nome importante é William Playfair (1759-1823), um engenheiro e economista escocês. Playfair foi também agente secreto pela Grã Bretanha durante a Guerra Anglo-Francesa (1778-1783). Ele criou tanto o gráfico de barras quanto o de pizza, que usamos até hoje.

William Playfair – 1786 Playfair – Exports and Imports of Scotland to and from different parts for one Year from Christmas 1780 to Christmas 1781

William Playfair – trade-balance time-series area chart from his Commercial and Political Atlas (1785)

Logo em seguida, temos a Florence Nightingale (1820-1910), uma estaticista e reformadora social inglesa. Ela é considerada como a fundadora da enfermagem moderna e foi também pioneira na visualização de dados com o uso de infográficos, utilizando apresentações gráficas de dados estatísticos.

Florence Nightingale – Diagram of the Causes of Mortality in the Army of the East (1858)

As visualizações de dados criadas pela Florence Nightingale são referência e base para as concepções mais contemporâneas. Esse tipo de gráfico leva, inclusive, o nome dela, sendo conhecido como “Nightingale Rose Chart”.

Nightingale Rose Chart, no The Data Visualisation Catalogue. Disponível em: https://datavizcatalogue.com/methods/nightingale_rose_chart.html.

Então, como você pode observar, a compreensão de informações através de conteúdo visual não é algo recente. Necessitamos da representação visual para compreender grandes quantidades de dados ou para processar informações complexas.

 

 

Um mundo dominado por dados, moldado por eles e traduzido em imagens

Hoje, falamos em Big Data, Data Visualization e Data Mining, importantes para qualquer área de atuação profissional.

Toda e qualquer informação organizada e passada de forma visual necessita, assim como em outras linguagens, da compreensão dos elementos que a constitui.

A necessidade da “alfabetização” visual, portanto, ultrapassa as áreas profissionais artísticas, sendo crucial para qualquer campo de atuação.

A organização visual da informação nos auxilia inclusive a organizar o pensamento. Se estiver com um problema a resolver, experimente fazer um mapa mental das informações que possui.

Só o ato de organizar as questões, os conceitos ou os dados dessa forma já nos obriga a organizar também o pensamento. É preciso compreender a questão para demonstrá-la. Lembre-se da célebre frase de Charles Kettering: “Um problema exposto com clareza já fica meio resolvido.”

A seguir, coloco algumas referências que podem te ajudar a organizar as ideias visualmente.

Ferramentas online para criar infográficos:

Recomendo também o Gephi, um software opensource de grafos relacionais, mas esse exige um pouco mais de investimento na curva de aprendizagem.

Foi o Gephi que eu usei para a parte visual do meu doutorado, uma proposta artística e curatorial com utilização de grafos relacionais, gerados a partir de dados extraídos das obras do van Gogh. Mas vou deixar para falar de grafos em um próximo artigo aqui no Pensadores Criativos.

Bibliografia recomendada:

  • ARNHEIM, Rudolf. Arte & percepção visual: uma psicologia da visão criadora. 6. ed. São Paulo: Pioneira, 1991.
  • BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Martins, 2009. (Coleção Todas as Artes).
  • DOMINGUES, Diana (org.). Arte, ciência e tecnologia: presente e desafios. Trad. Flávia Gisele Saretta et al. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
  • DONDIS, Donis. Sintaxe da Linguagem Visual. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
  • FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação: Vilém Flusser. Org. Rafael Cardoso. Trad. Raquel Abi-Sâmara. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
  • MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. Trad. Rubens Figueiredo, Rosaura Eichemberg, Cláudia Strauch. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

Veja mais:

 

Artigo publicado na Pensadores Criativos, em 05/05/2021